Abraçando o comunismo

Em 1949, o novo governo comunista chinês inicialmente tentou estabelecer negociações pacíficas como o governo tibetano para a solução das disputas entre ambos. Porém, quando, em setembro de 1950, os representantes tibetanos fracassaram nas negociações na capital chinesa, o Exército da Libertação Popular (ELP) recebeu ordens do Presidente Mao Zedong para que entrasse em Chamdo, no leste do Tibete. As tropas chinesas cruzaram o rio Yangtse em Outubro de 1950.128

As forças tibetanas estavam malcoordenadas, equipadas e organizadas e foram prontamente vencidas. Dentro de duas semanas o ELP havia capturado todo o exército tibetano, inclusive o governador-geral da região. Embora, com essa fácil vitória militar, a estrada para Lhasa estivesse aberta, o ELP não avançou mais; pelo contrário, chamou Lhasa para negociar. Melvyn Goldstein explica:

Mao não queria simplesmente conquistar o Tibete, mesmo que isso fosse fácil de ser obtido. Ele desejava um acordo político aprovado pelo líder tibetano, o Dalai Lama. Ele desejava que a reivindicação da China sobre o Tibete fosse legitimizada através da aceitação do Dalai Lama da soberania da China e da parceria com a RPC [República Popular da China] para gradualmente reformar a economia feudal do Tibete.129

De fato, Mao Zedong estava usando seu poderio militar para forçar os tibetanos a negociarem, pois ele entendia o perigo de uma prolongada guerra de guerrilhas no território montanhoso do Tibete.130 Com o advento da Guerra Fria, também havia a possibilidade de os Estados Unidos se envolverem no confl como parte de sua política mundial contra o comunismo.131

Em Lhasa, a notícia da vitória chinesa trouxe medo e confusão. Elevados lamas e os oráculos tradicionais foram consultados para determinar um caminho a ser seguido. Foi decidido que o Dalai Lama, então com dezesseis anos de idade, deveria ser oficialmente entronizado e deveria receber total poder para governar.132 Pouco depois, o Dalai Lama e muitos outros nobres de Lhasa fugiram para a cidade de Yatung, ao norte da fronteira com a Índia, lugar onde estabeleceram um governo provisório.133
Antes da sua partida de Lhasa, o Dalai Lama enviou uma mensagem para o ELP em Chamdo, dizendo que “desejava sinceramente restabelecer a amizade” entre os povos tibetano e chinês. Além disso, ele autorizou duas delegações a viajarem para Beijing para começar as negociações com os chineses e, finalmente dia 23 de maio de 1951, sob as ordens diretas do Décimo Quarto Dalai Lama, o “Acordo Governo Central do Povo e do Governo Local do Tibete” foi assinado, hoje mais conhecido como “Acordo dos Dezessete Pontos”.134 Goldestein diz:

O Acordo dos Dezessete Pontos abriu um novo capítulo nas relações sino-tibetanas já que oficialmente pôs fim ao confl sobre a Questão Tibetana. O primeiro ponto estipula claramente: “O povo tibetano unido expulsará as forças imperialistas do Tibete: o povo tibetano regressará à grande família da terra-mãe – a República Popular da China”. O Tibete, pela primeira vez nos seus 1300 anos de história documentada, havia reconhecido formalmente através de um acordo escrito a soberania chinesa.135

O Dalai Lama enviou ao líder chinês um telegrama expressando “apoio irrestrito ao acordo pelo governo local do Tibete, os monges e a totalidade do povo tibetano”. Quaisquer que tenham sido suas razões para enviar tal mensagem, com sua volta a Lhasa e a ratificação do Acordo dos Dezessete Pontos, realizou-se a incorporação do Tibete pela China. O Tibete agora era formalmente parte do estado chinês. Mao Zedong conseguiu o acordo político que desejava, pois ele iria conduzir à libertação pacífica do Tibete feudal enquanto a nobreza tibetana e os clérigos tinham assegurada a continuidade de suas posições, poder e privilégios.136

Contrariamente à crença popular, a invasão chinesa do Tibete foi pacífica, depois do conflito inicial em Chamdo. Em algumas partes do país, os chineses receberam até boas-vindas. Soldados chineses da etnia han e líderes civis só receberam autorização de entrar no Tibete central após a assinatura formal do Acordo de Dezessete Pontos. Eles tinham bom comportamento e receberam ordens estritas de não se tornarem um peso para a população local.137
Os chineses fizeram extraordinários esforços para trabalhar com
a elite tibetana num “fronte de união”. Goldstein escreve que:

A estratégia [de Mao] no Tibete buscava criar relações cordiais entre os han (etnia chinesa) e os tibetanos, e reduzir as reticências tibetanas de modo que a elite tibetana pudesse, com o tempo, genuinamente aceitar a “reintegração” com a China e concordar com a transformação social (…). Entre 1951 e 1959, não somente nenhuma propriedade aristocrática ou eclesiástica foi confiscada, mas senhores feudais receberam a permissão para continuarem a exercer autoridade judicial sobre os camponeses vinculados a eles por herança. No coração dessa estratégia estava o Dalai Lama. Mao via nele principalmente um veículo através do qual a elite religiosa e feudal (e posteriormente o povo) poderia aceitar seu lugar no novo estado comunista multiétnico da China.138

Foi nessas circunstâncias que a visão comunista do Dalai Lama se desenvolveu. Longe de assumir uma posição de confronto, como faria seu público ocidental acreditar, ele, ao invés, abraçou a ideologia comunista em geral e o Presidente Mao em particular.
O primeiro estrangeiro a entrevistar o Dalai Lama depois da assinatura do Acordo dos Dezessete Pontos, em 1951, foi Alan Winnington. Em uma entrevista que obviamente foi calorosa e respeitosa, o líder tibetano compartilhou suas convicções com o jornalista britânico, que primeiro lhe perguntou o que havia acontecido desde a assinatura do acordo. O Dalai Lama respondeu:

Antes do acordo (…) o Tibete não podia avançar. A partir do acordo, o Tibete abandonou o caminho antigo que levava à escuridão e tomou o novo caminho que conduz a um brilhante futuro de desenvolvimento.

(…) Escutei o Presidente Mao falar sobre diferentes assuntos e recebi suas instruções. Cheguei à firme convicção de que as magníficas perspectivas do povo chinês em seu conjunto são também as perspectivas do povo tibetano: a trajetória de todo o país é também a nossa e não há nenhuma outra.139

Em 1954, ele aceitou um convite para visitar Beijing e representar o Tibete na Assembleia Nacional do Povo Chinês. Era a primeira viagem do jovem Dalai Lama para fora do Tibete.

Foi somente quando fui à China, em 1954-55, que eu verdadeiramente estudei a ideologia marxista e aprendi sobre a história da revolução chinesa. Tendo entendido o marxismo, minha atitude mudou completamente. Estava tão atraído pelo marxismo que cheguei a expressar meu desejo de me tornar um membro do partido comunista (…).
Eu (…) fui à China para encontrar-me com o Presidente
Mao. Tivemos uma série de bons encontros.140

Quando estava em Beijing, o Dalai Lama concordou em ser o presidente da proposta de Mao para um Comitê Preparatório para a Região Autônoma do Tibete (CPRAT), cujo propósito era preparar o Tibete para a autonomia regional sob o controle chinês. Durante as festividades inaugurais do CPRAT em Lhasa, o Dalai Lama elogiou os han no Tibete, dizendo que eles haviam:

(…) cumprido estritamente a política de liberdade religiosa, cuidadosamente protegido os monastérios e respeitado as crenças religiosas do povo tibetano (…). Tudo isso ajudou imensamente a remover a apreensão que prevalecia anteriormente (…) como resultado dos rumores e provocações feitas pelos agentes dos imperialistas.141

Até os eventos ocorridos em 1959, o Dalai Lama trabalhava de perto com os chineses para desenvolver o Tibete sob o governo comunista. Ele expressou “seu apoio mais entusiástico pela China em discursos e artigos que vão até janeiro de 1959 (publicados em Xizang Ribao)”. Ele também continuou a expressar adminiração por Mao, falando em 1955, por exemplo, da sua alegria ao encontrá-lo cara a cara.142 Como Gelder e Gelder indicaram: “(…) o Rei-Deus (…) em suas declarações públicas demonstrou ser o mais valioso aliado de Mao no Tibete.143