A difamação de Je Phabongkhapa

Je Phabongkhapa, ou Phabongkhapa Rinpoche (1878-1941), “foi um dos grandes lamas do século XX. Ele obteve seu título de Geshe na Universidade Monástica de Sera, Lhasa, e tornou-se um professor altamente influente no Tibete. Ele foi o guru-raiz de ambos os tutores do atual Dalai Lama e o professor de muitos dos outros lamas gelugpas que têm trazido o Dharma para o Ocidente desde sua fuga do Tibete em 1959”.

Porém, o Décimo Quarto Dalai Lama agora difama esse grande professor. Numa data tão recente como o dia 26 de março de 2006, o Dalai Lama insinuou que Je Phabongkhapa tinha tendências sectárias graças a sua associação com Dorje Shugden:

Com relação a Kyabje Pabonkha Rinpoche, ele era, no começo de sua vida, um praticante de fé ecumência. Gradualmente, ele estabeleceu um relacionamento com Dholgyal. Preciso dizer mais?2

Contudo, o Dalai Lama não oferece nenhuma evidência para demonstrar o suposto comportamento sectário de Je Phabongkhapa. Em outra ocasião, o Dalai Lama disse que embora “Kyabje Phabongkhapa Rinpoche fosse realmente um incrível e grande mestre (…), provavelmente o detentor das tradições das Etapas do Caminho (Lam rim) e do Treino da Mente (Lo jong) e era um ser altamente realizado”, “no que diz respeito a Dholgyal [Dorje
Shugden], ele parece ter cometido um erro”.289

O seguinte relato ilustra a pouca consideração que se tem por Je Phabongkhapa em certos setores da Tradição Gelug como consequência da difamação promovida pelo Dalai Lama. Em agosto de 2009, no Monastério Sera-Mey no sul da Índia, houve uma cerimônia da licenciatura de Rigchung (para aqueles que completaram com êxito o estudo do Sutra Perfeição de Sabedoria). Durante a cerimônia de um monge da sessão Gungru Khamtsen do monastério, o disciplinário do Monastério, Geshe Ngawang Yonten, leu publicamente a “carta de refúgio” (na qual o patrono escreve os nomes de sua família e mestres espirituais para pedir bênçãos e para que os monges rezem por eles). A “carta de refúgio” incluía os nomes de Kyabje Pabonkha Rinpoche e Drana Rinpoche (outro importante praticante de Dorje Shugden).

Após a cerimônia o disciplinário recebeu telefonemas de vários monges reclamando da sua leitura dos nomes desses dois lamas. No dia seguinte, na sala de encontro, o disciplinário desculpou-se: “Não recebi nenhum aviso prévio antes da leitura da carta. A pessoa que escreveu os nomes acumulou grande negatividade, como foi o meu caso por ter lido [a carta]. Portanto, devemos purificar nosso pecado oferecendo um katag [oferenda tradicional tibetana de um cachecol] ao Protetor Thawo. Esses lamas não assinaram a promessa de não venerar nunca a Shugden e não queremos manter vínculos materiais nem religiosos com seguidores dessa deidade”.

Durante a época do Décimo Terceiro Dalai Lama, Je Phabongkhapa era o mais famoso e infl lama engajado em difundir de forma prática a doutrina de Je Tsongkhapa em todo o Tibete. Sua infl em reavivar a Tradição Gelug durante sua época foi notória, tendo enfatizado a aplicação prática dos ensinamentos de Buda, em vez de somente o conhecimento erudito; ele foi o lama mais envolvido na promoção da prática de Dorje Shugden. Por isso, detratores dessa prática, como o atual Dalai Lama, tentaram sustentar que Je Phabongkhapa rejeitou a prática de Dorje Shugden no final de sua vida, ou difamá-lo por meio de acusação de ser sectário e de promover a prática de Dorje Shugden como uma forma de prejudicar outras tradições budistas. Pode ser que haja outra razão para a atual difamação do Je Phabongkhapa. Goldstein diz: “Phabongka era conhecido por sua visão de que os lamas não deveriam se envolver com política […]”290, uma atitude que não pode ser aceita pelo Dalai Lama, especialmente vindo da parte de uma figura tão importante dentro da Tradição Gelug.

Com relação aos muitos rumores que circulam sobre Je Phabongkhapa, alguém perguntou a Geshe Kelsang Gyatso: “É verdade o que as pessoas dizem sobre Je Phabongkhapa ter rejeitado a Tradição Nyingma?” Geshe Kelsang Gytaso respondeu:

Isso é cem por cento falso. Através de uma cuidadosa investigação eu cheguei à compreensão de que, quando Je Phabongkhapa visitou a área de Kham no leste do Tibete, ele deu extensos ensinamentos em todas as partes. Muitos milhares de pessoas se reuniram para ouvir esses ensinamentos. As pessoas de Kham o respeitavam profundamente e eram devotos dele. Naquela época, algumas pessoas, por ciúmes e para destruir a boa reputação de Je Phabongkhapa, espalharam falsos boatos dizendo que “Phabongkhapa é mal, ele rejeita a Tradição Nyingma e ele destruiu estátuas de Padmansabhava”. Gradualmente essa falsa informação se espalhou no Tibete, mas compreendo claramente que essas pessoas mentiram.291

Há um grande número de relatos pessoais sobre Je Phabongkhapa que dão testemunho de seu imenso poder espiritual e sua habilidade de dirigir a mente das pessoas para a prática espiritual. Geshe Lobsang Tharchin, que foi por quinze anos abade de Rashi Gempil Ling, um templo Kalmuck Mongol em Nova Jersey, EUA, e fundador de centros Mahayana de Sutra e Tantra, relembra os ensinamentos de Lamrim dados por Je Phabongkhapa:

Como muitos outros na plateia, fiquei impressionado com o poder de seus ensinamentos. Já havia ouvido a maioria deles antes, mas senti que a forma como ele ensinava e as bênçãos que recebi dele fizeram com que eles penetrassem em mim. Lá estava eu, vivendo minha curta preciosa vida de humano e suficientemente afortunado para ser um aluno de um dos mais importantes monastérios budistas no mundo. Por que estava desperdiçando meu tempo? O que aconteceria se eu subitamente morresse?

Geshe Tharchin lembra-se de um nobre tibetano, que ocupava um “importante cargo similar a de um Ministro da Defesa”, participar dos ensinamentos de Je Phabongkhapa, aparecendo dessa maneira:

(…) vestindo seus melhores trajes (…) trajando seda, seus longos cabelos soltos (…). De seu cinturão pendia uma longa espada cerimonial emitindo o som das pessoas importantes sempre que ele pavoneava (…). Ao final da primeira sessão de ensinamentos, ele foi visto deixar o auditório quieto, profundamente reflexivo – ele havia embalado sua espada de guerra num pano para escondê-la e a levava para casa (…) finalmente, um dia, ele se prostrou diante de Rinpoche e pediu para receber os votos de um leigo que quer levar uma vida religiosa por toda a sua existência. Depois disso ele acompanhava Phabonka Rinpoche por todos os lados, indo a todos os ensinamentos públicos que ele concedia.292

Em sua autobiografia, Khyongla Rato, fundador de um Centro do Tibete de Nova Iorque, escreveu que os tibetanos se referiam a Khangser Rinpoche e a Phabonka Rinpoche como “o Sol” e “a Lua”, respectivamente. Também escreve sobre o grande poder dos ensinamentos de Je Phabongkhapa:

Durante a temporada de verão, diversos comerciantes e, pelo menos, dois importantes funcionários do governo viram suas vidas transformadas pela sua eloquência: eles largaram seus empregos para estudar religião e para se dedicar à meditação.

Khyongla Rato fez o pedido e recebeu a completa ordenação de Je Phabongkhapa e sempre rezava da seguinte maneira: “(…) que, como Pabongka Rinpoche, eu possa aprender a ajudar as pessoas ensinando, escrevendo e debatendo”.293

Num breve relato de sua vida, Rilbur Rinpoche diz:

Aqueles foram os tempos do grande Lama Pabongka Dorje Chang, que foi o mais extraordinário e insuperável lama daquela época. Era ele e mais ninguém. Não estou dizendo que não havia outros lamas a não ser Pabongka – havia Kyabje Kangsar Rinpoche, Tatra Rinpoche e muitos outros grandes lamas –, mas ele se tornou o principal professor, aquele que dava ensinamentos o tempo todo.294

E:

Obtive algum sucesso como erudito e como lama sou alguém, mas nada disso é importante. A única coisa que importa para mim é que fui discípulo de Pagongka Rinpoche.295

Nenhum desses altamente respeitados professores que conheceram Phabongkhapa pessoalmente jamais fez menção a qualquer tendência sectária que seja. Numa entrevista concedida à revista da FMTP, Mandala, Mogchok Rinpoche, pouco depois de ser assignado como Professor Residente do Centro da FPMT em Lavaur, França, disse que sua encarnação anterior pertencia primeiramente à Tradição Kagyu Shangpa:

Em minha vida anterior, Mogchok Rinpoche era um aluno de Kyabje Pabongka Rinpoche; foi a partir daí que ele mudou para a Tradição Gelug. Ele recebeu muitas iniciações e ensinamentos de Kyabje Pabongka Rinpoche.

Entretanto, fica evidente que Je Phabongkhapa não exerceu nenhum tipo de pressão sectária sobre seu novo discípulo. Na entrevista, ele prossegue:

P: Você sabe por que ele optou por mudar de tradição?
R: Penso que ele achou que a Tradição Gelug continha muita sabedoria. Contudo, o antigo Mogchok Rinpoche não abandonou Shangpa Kagyu completamente, ele praticou de acordo com aquela tradição também.296

A influência espiritual de Je Phabongkhapa – sobre os ministros de governo e até sobre lamas de outras tradições – era indubitávelmente uma fonte de inveja. Como lama gelugpa, ele era responsável por promover os puros ensinamentos de Je Tsongkhapa, mas não há evidência de que agiu com sectarismo ou de que prejudicou, de alguma forma, outras tradições. As alegações feitas pelo atual Dalai Lama são completamente falsas.