A implementação, efeitos e razões alegadas para a proibição da prática de Dorje Shugden
Em março de 1996, o Dalai Lama anunciou de forma agressiva e ameaçadora que imporia de maneira forçosa a proibição contra aqueles que insistissem na prática de Dorje Shugden. Nos meses que se seguiram e ao longo dos anos desde então, em iniciações, em discursos, em entrevistas e em decretos governamentais, o Dalai Lama deixou claros seus pontos de vista e intenções ao impor a proibição. Um grande número desses depoimentos contra a prática e os praticantes de Dorje Shugden bem como evidências de perseguição contra eles podem ser vistos no Capítulo 5.
As palavras do Dalai Lama chocaram e feriram milhões de praticantes de Dorje Shugden em todo o mundo e desencadearam ondas de confusão, ressentimento e medo que varreram todas as comunidades tibetanas. Nos meses seguintes à proibição do Dalai Lama, uma transformação ocorreu dentro da comunidade tibetana. A relativa paz, a alegria e a harmonia interna normalmente presentes nos assentamentos tibetanos foram destruídas pelas ameaças e ações terroristas contra a rapidamente marginalizada e isolada minoria de praticantes de Dorje Shugden.
Multidões de vigias de seguidoes fanáticos do Dalai Lama, atuando influenciados por seus pronunciamentos públicos, invadiram templos e domicílios, confiscando e destruindo pinturas e estátuas de Dorje Shugden – chegando até a retirá- las de altares. Multidões atacaram praticantes de Dorje Shugden e suas casas com pedras e bombas de gasolina, destruindo suas posses e ameaçando suas vidas. Houve surras, esfaqueamentos e até assassinatos.
Muitos perderam seus empregos, crianças foram expulsas de escolas e monges foram expulsos de monastérios; vistos e permissões de viagem ao estrangeiro foram negados; ajuda a refugiados, salários e subsídios a monges foram cortados e foram realizadas campanhas de assinaturas forçadas. Dessas e de muitas outras formas agiram alguns tibetanos fora da lei em suas comunidades já no exílio; o Dalai Lama, utilizando-se de seu governo, ministros e organizações partidárias, introduziu um reinado de terror contra dezenas de milhares de pessoas do seu próprio povo, criando restrições semelhantes àquelas impostas ao povo judeu nos primeiros anos da Alemanha de Hitler.248
perseguição começou em 1996 e ainda continua. O canal de notícias internacionais e de temas da atualidade da televisão France 24 relatou:
Fotografias de líderes Shugden são colocadas nas paredes da cidade, qualificando-os de traidores. Também se podem ver nas entradas de lojas e hospitais cartazes que proíbem a entrada de seguidores de Shugden (…).
Nossos repórteres seguiram um monge budista que tentou falar com algumas das pessoas de sua vila que o estavam marginalizando.
“Nós não estamos violando os ensinamentos do Senhor Buda e, no entanto, somos excluídos de todos os lugares simplesmente por causa de nossa religião”, ele reclama (…). “É o apartheid em uma terra budista”.249
Em outra ocasião, em 2008, o canal de televisão internacional Al Jazeera também visitou o sul da Índia e acompanhou Delek Tong, um monge que pratica Dorje Shugden, pelas ruas do assentamento dos refugiados tibetanos:
[Delek Tong apontando para um cartaz na parede.] “Olhe para isso, está dito: Não é permitida a entrada de praticantes de Shugden.”
“Olá, sou praticante de Shugden, posso entrar?”
[Vendedor] “Não, sinto muito. Não quero você ou nenhum outro praticante de Shugden em minha loja.”
[Repórter] O Dalai Lama pediu à comunidade tibetana para parar de praticar a deidade com 400 anos de idade, Shugden.
[Delek Tong] “Quando você seguiu o conselho do Dalai Lama, você se esqueceu que nós shugdenpas também somos tibetanos como você?”
[Repórter] O significado disso em termos práticos é que Delek Tong não pode entrar nessa loja por causa de suas crenças religiosas.
[Vendedor] “Fiz uma promessa e não terei ligações com as pessoas de Shugden.”250
Para dissimular um referendum democrático, o Dalai Lama organizou campanhas de assinatura forçada nas comunidades tibetanas leigas e monásticas por todo o mundo. As primeiras foram realizadas em 1996, mas elas não alcançaram a meta desejada pelo Dalai Lama, a completa marginalização dos praticantes Shugden. Frustrado pelo fracasso, ele iniciou outra campanha de assinaturas forçadas em janeiro 2008. Como resultado direto da segunda campanha do Dalai Lama, 900 monges foram expulsos de seus monastérios no dia 08 de fevereiro de 2008.
Em fevereiro de 2008, em Bangalore, Samdhong Rinpoche (Primeiro Ministro do governo tibetano no exílio) deu declarações que lembram as palavras de Hitler:
Quando os monastérios estiverem completamente limpos, iniciaremos a campanha de prestar juramento de não praticar Shugden e não compartilhar recursos materiais e espirituais com os praticantes de Shugden na Índia, Nepal e Butão, depois no exterior e gradualmente no Tibete.4
Ao compreenderem o péssimo impacto público internacional provocado por essas violações aos direitos humanos, o Primeiro Ministro tibetano e outros funcionários do governo tibetano no exílio esforçaram-se para distanciar a figura do Dalai Lama da
responsabilidade pelo referendo.
Dia 22 de abril de 2008, na Universidade Colgate (Estado de Nova Iorque, EUA) uma manifestação pública foi feita do lado de fora de uma conferência dada pelo Dalai Lama, protestando contra sua perseguição religiosa. Tashi Wangdu, o representante e antigo ministro do gabinete, viu-se obrigado a responder publicamente aos insistentes pedidos de explicação por parte dos jornalistas: “Acho que há um grande mal-entendido. O que estou tentando explicar é que não há nenhuma proibição”252.
E após milhares de membros da Sociedade Ocidental Dorje Shugden participarem de protestos em todo o mundo para revelar a vergonhosa realidade da proibição do Dalai Lama e seu comportamento ditatorial, numa entrevista a BBC News em 27 de maio de 2008, ao líder tibetano não lhe restou nada a não ser mentir para a audiência, dizendo que “(…) ele não havia apoiado nenhuma proibição (…)”253.
Os representantes do Dalai Lama no Ocidente tentam manter a ficção de que não há proibição e de que o Dalai Lama simplesmente “aconselhou” as pessoas a não praticarem Dorje Shugden. Entretanto, fica evidente através de declarações feitas pelo Dalai Lama em pessoa e pelo seu gabinete, como foi mostrado no Capítulo 5, que existe uma proibição real e vigorosamente implementada. As palavras tibetanas “kagdom” (bkag sdom), damdrag (dam bsgrag) e outros termos comumente empregados indicam isso claramente.
Por meio do Kashag (gabinete) tibetano, o Dalai Lama originalmente apresentou duas razões para impor a proibição. Ele sustenta que a prática de Dorje Shugden: (1) “(…) prejudica muito a causa do Tibete” (ou seja, a independência tibetana); e (2) “também põe em perigo a vida do Dalai Lama”254. Pediu-se inúmeras vezes ao Dalai Lama que fornecesse razões válidas que provem suas afirmações, mas nenhuma foi apresentada até o momento. No entanto, dizer que a prática de Shugden prejudica o Dalai Lama é tão sem sentido quanto dizer que uma pessoa que toma um remédio faz com que outra adoeça. Como é que a prática de Dorje Shugden pode prejudicar o Dalai Lama? É uma afirmação ridícula.
Posteriormente, o Dalai Lama e seu governo fabricaram uma terceira razão para a proibição: o truque do sectarismo. Essa terceira razão tem sido expressa de várias formas em declarações públicas feitas pelo Dalai Lama e em documentos emitidos pelo governo no exílio. Por exemplo, no dia 16 de julho de 1996 no programa The World Tonigh da BBC Radio 4, o Dalai Lama disse:
Sabe-se muito bem que a abordagem dos adoradores desse espírito é um pouco sectária e isso não combina com minha abordagem.
E em 1998, na página da internet do governo tibetando no exílio, o artigo Shudgen versus Pluralismo e Unidade Nacional diz:
A propiciação a Shugden assumiu características de um culto fanático, no qual não há lugar para as visões ou práticas das outras escolas do budismo tibetano, em especial aquelas da antiga Tradição Nyingma, fundada por Padmasambhava. Naturalmente, tais divisões não combinam com a necessidade tibetana de se unir e resistir a ameaças externas a sua própria identidade nacional.255
Em agosto de 1998, na convenção anual do Congresso Jovem Tibetano, em Dharamsala, o Dalai Lama disse em seu discurso de abertura:
Propus essa proibição por três razões: (1) através da história esse culto tem estado em desarmonia com o governo que dirige o Tibete, o Ganden Phodrang; (2) o budismo, que é muito profundo, está correndo perigo de degenarar-se num culto de espíritos; e (3) o culto da Dholgyal (Shugden) cria sectarismo. Por essas três razões foi que impus essa proibição.256
Recentemente, em 2009, como mencionado acima, o governo tibetano no exílio disse que o problema era inteiramente religioso e não político257, minando, assim, os argumentos religiosos anteriores do Dalai Lama para a proibição. Porém, se analisarmos essas mesmas “razões”, comprovaremos, como já se viu, que o sistema de governo do Ganden Phodrang, ao misturar política e religião, é a fonte de tantos problemas que têm afl o povo tibetano há tantas gerações. E é o Dalai Lama através de sua confiança em oráculos-espíritos quem está degenerando o budismo. Ao dizer que os praticantes de Dorje Shugden são adoradores de um espírito maléfico, ele está deliberadamente manipulando os medos supersticiosos de muitos tibetanos comuns. Em vez de promover o budismo como uma religião principalmente preocupada em desenvolver qualidades interiores, tais como amor e compaixão, Dalai Lama está fazendo com que ela se degenere numa caricatura de budismo que aparentemente está em constante luta contra espíritos invisíveis. Quando age assim, ele contraria até seus próprios ensinamentos:
Se (…) alguém (…) sempre coloca a culpa em espíritos prejudiciais exteriores e pensa que eles são seus inimigos, isso é na verdade bastante contraditório com a prática da bodhichitta [o desejo compassivo de alcançar a iluminação para o beneficio dos outros]. Se eu fosse um espírito prejudicial e alguém apontasse o dedo para mim dizendo, “você é um espírito mau,” eu ficaria feliz, porque aquele que me acusa não é capaz de identificar seu próprio inimigo e, dessa forma, encontra-se à mercê de meus danos. Se alguém pratica a bodhichitta corretamente e vê todos os seres como amigos, então esses espíritos prejudiciais não vão prejudicá-lo, pois essa pessoa é invencível.258
No que diz respeito à acusação de que a prática de Shugden causa sectarianismo, na realidade todo tibetano sabe que não havia problemas de desarmonia entre nyingmapas e gelugpas antes que a proibição fosse imposta. Nunca houve nenhuma desavença entre nyingmapas e gelugpas; embora tenha havido discordâncias históricas entre os gelugpas e os kagyupas, tais como aquelas ocorridas na época em que o Quinto Dalai Lama chegou ao poder.
Nyingmapas praticavam os ensinamentos nyingmas puramente e os gelugpas praticavam os ensinamentos gelugpas puramente, sem nenhum tipo de problema. O problema foi criado unicamente pelo próprio Dalai Lama, ao fazer afi mações como: “Digamos que queira praticar Nyingma. Eles dizem que esse protetor irá me prejudicar. Obviamente, isso é um obstáculo à liberdade religiosa”. No seio da sociedade tibetana, ninguém tem a oportunidade, o poder nem a capacidade de dizer esse tipo de coisa ao Dalai Lama, e, mesmo que alguém o tenha feito, isso não demonstra que os “praticantes Shugden” estejam de acordo. Não há motivo algum para ele ficar com raiva de devotos inocentes de Shugden em geral, simplesmente por causa do ponto de vista de uma pessoa; todos podem dizer o que pensam, isso é a escolha pessoal de cada um.
A divisão e o sectarismo dentro da sociedade tibetana têm sido causados somente pela proibição imposta pelo próprio Dalai Lama. Claro, o Dalai Lama tem liberdade para escolher sua própria prática. Se ele deseja parar de praticar Dorje Shugden e escolher outra prática, seguindo as indicações de seus próprios sonhos e assim por diante, então, ele é livre para fazê-lo, mas ele não deveria interferir com a liberdade de outras pessoas que desejam praticar aquilo de sua livre escolha de acordo com seus direitos humanos individuais de liberdade religiosa.
Na realidade, praticantes de Dorje Shugden estão buscando liberdade religiosa em relação ao comportamento ditatorial do Dalai Lama, que mantém uma atitude sectária de intolerância religiosa, destruindo a felicidade das pessoas e conduzindo a outros tipos de consequências. Geshe Kelsang Gyatso explica:
Por exemplo, embora Sera, Ganden e Drepung (no Tibete) fossem monastérios Gelug, muitos praticantes nyingmapa e bön juntavam-se a eles para estudar ensinamentos filosóficos. Na minha turma em Sera-Jey [Monastério], eu tinha amigos de um monastério Nyingma do leste do Tibete. Sua prática diária era nyingma e ninguém se sentia infeliz com isso. Eles gozavam de completa liberdade. Nunca tivemos nenhum tipo de problema, porque o abade dava completa liberdade para as práticas individuais.
Embora a maioria da minha família seja gelugpa, que confi em Dorje Shugden, alguns deles são nyingmapas. Minha irmã mais nova casou-se com um lama nyingmapa do Tibete ocidental de uma conhecida linhagem; ele se chamava Ngora Lama. Eles tiveram muitos filhos e eu os visitava com frequência, algumas vezes eu e ele fazíamos puja juntos. Eu fazia o puja de Dorje Shugden e ele fazia sua própria prática. Nós mantivemos um relacionamento muito bom até sua morte em Mussorie, Índia.
Quando vivia em Mussourie, tive muitos bons amigos da Tradição Nyingma, um deles em particular se chamava Ngachang Lama, ele era um homem mais velho, um praticante leigo; em um inverno, fizemos um retiro juntos na mesma casa. No intervalo entre as sessões, nós falávamos de Dharma, cada um relatando suas próprias experiências. Seu filho mais velho convidava-me frequentemente para ir a sua casa para fazer puja. Da mesma forma, eu sempre era convidado a fazer puja na casa de outras famílias nyingma. Eu fiquei bastante surpreso de ouvir o Dalai Lama e outros dizerem que praticantes de Dorje Shugden e praticantes da Tradição Nyingma são como fogo e água!259
Essa atitude de seguir uma tradição mantendo-se aberto e tolerante às outras tradições era a postura preponderante no Tibete, corroborada por muitos outros relatos contemporâneos. Por exemplo, Khyongla Rato escreveu:
(…) muito embora meus avós e familiares tenham diferentes atitudes com relação à religião, nunca houve discórdia ou desentendimento entre eles com relação a suas crenças. Num determinado momento de suas vidas, meus avós foram iniciados em todas as quatro principais tradições budistas tibetanas (…) e nunca se depararam com nenhum real conflito entre elas.
Minha mãe e pai, ao contrário dos pais de meu pai, faziam parte unicamente da tradição ortodoxa do “Chapéu Amarelo”, os gelugpas, e nunca lhes ocorreu aceitar uma iniciação de nenhuma outra. Mesmo assim, eles respeitavam todas e tinham amigos em todas elas.260
Devido ao ponto de vista do atual Dalai Lama, essa atitude de seguir uma tradição, mas respeitar as outras é agora vista como um crime sectário. Entretanto, muitos respeitados mestres de todas as tradições do budismo tibetano expressaram a importância de se preservar cada uma das tradições. Por exemplo, o muito respeitado professor Kagyu, Kalu Rinpoche disse:
Em geral, ter fé em todas as tradições é um sinal de profunda compreensão dos ensinamentos. No entanto, é absolutamente necessário se engajar numa tradição específica, receber instruções detalhadas dentro dela, ser introduzido em suas práticas essenciais e, depois, é adequado praticar principalmente esses ensinamentos.261
Numa entrevista ao Professor Donald Lopez na revista Tricycle Magazine, Geshe Kelsang Gyatso afi mou muito claramente sua atitude não sectária com respeito às outras tradições:
É claro. Claro que acreditamos que cada nyingmapa e kagyupa possuem seu caminho completo. Não somente os gelugpas. Acredito que nyingmapas têm um caminho completo. É claro que os kagyupas são muito especiais. Nós apreciamos muito o exemplo de Marpa e Milarepa [da linhagem Kagyu]. Milarepa demonstrou o melhor exemplo de devoção ao guru. Claro que os kagyupas bem como os nyingmapas e os sakyapas possuem um caminho completo para a iluminação. Muitos nyingmapas e kagyupas praticam com muita sinceridade e não estão somente estudando intelectualmente. Eu penso que alguns praticantes gelugpas precisam seguir seu exemplo prático. Mas não precisamos misturar nossas tradições. Cada tradição possui suas próprias boas qualidades especiais e é importante não perdê-las.
Devemos nos concentrar em nossa própria tradição e manter suas boas qualidades, mas devemos sempre manter um bom relacionamento uns com os outros e nunca discutir ou criticar uns aos outros. O que gostaria de pedir é que melhoremos nossas tradições enquanto mantemos um bom relacionamento uns com os outros.262
O Dalai Lama fez declarações públicas sobre as razões pelas quais ele impôs a proibição, mas, como já vimos, elas são completamente equivocadas e não têm nenhuma base válida. Quais são as razões verdadeiras, então? Uma delas é a influência do espírito Nechung, o protetor do Dalai Lama. O médium do espírito Nechung tem desejado já há muitos anos a exclusividade de poder dar conselhos ao Dalai Lama e, como consequência, está com ciúmes da prática de Dorje Shugden, que foi e ainda é muito popular dentre muitos lamas, inclusive entre os tutores e gurus-raiz do Dalai Lama, muitos eruditos e outros praticantes. Ainda há outros fatores relacionados à ignorância e à superstição, já que o Dalai Lama admite publicamente que baseou suas decisões quanto à implementação da proibição em adivinhações, oráculos e sonhos. Ele fez essa afirmação em vários discursos, inclusive em um proferido em Julho de 1978, quando ele falou pela primeira vez em público contra a prática de Dorje Shugden.
Quando indagado sobre o que para si seria a principal razão para a proibição do Dalai Lama, Kundeling Rinpoche explicou:
Todas as diferentes tradições do Tibete possuem seus protetores únicos. Então qual é a razão pela qual Dorje Shugden está sendo escolhido como o grande inimigo da unidade e o principal objeto de sectarismo? É absolutamente falso que Dorje Shugden seja um inimigo da unidade e causa de sectarismo. É uma grande mentira.
Na verdade, a principal razão por detrás da proibição de Dorje Shugden é que essa deidade tem sido muito, muito popular. Vejam, os gelugpas eram a maioria no Tibete. Eles também continuam sendo a maioria no exílio. A veneração a Dorje Shugden é muito, muito popular dentre os gelugpas. Também é muito popular dentre os sakyapas. Penso, então, que essa popularidade pode ter causado certo isolamento e ciúmes no oráculo Nechung. Ciúme e competitividade relacionados com o aumento de popularidade são coisas que têm se repetido continuamente na história tibetana. Sempre houve pequenos conflitos, desacordos e discussões com relação a fama, popularidade, benfeitores, propriedade e discípulos. Tudo isso não passa de sentimentos humanos, problemas humanos. Não têm nada a ver com os protetores gelugpas tais como Dorje Shugden.263
Em Dalai Lama: Relatório sobre os abusos dos direitos humanos e liberdade religiosa do Dalai Lama, James Belither comenta:
Muitos acreditam que a razão verdadeira por detrás da proibição da prática de Dorje Shugden é seu desejo de integrar todas as quatro escolas do budismo tibetano numa única. Os líderes das outras quatro tradições vão gradualmente desaparecer, deixando-o como o único chefe do budismo tibetano. Dessa forma, ele vai se tornar apto a controlar todos os aspectos do budismo tibetano, o que lhe permitirá consolidar seu próprio poder. Ao destruir a prática de Dorje Shugden, uma prática popular dentro da Tradição Gelug, ele está tentando mudar e, desse modo, enfraquecer a própria Tradição Gelug. Ao enfraquecer os gelugpas, de certo modo a mais poderosa das quatro escolas, o Dalai Lama astutamente conseguiu o apoio das outras escolas. Seu próximo passo será integrá-las numa única.264
E isso é exatamente o que o Dalai Lama está fazendo, como suas próprias palavras atestam: “(…) o que digo [é] – deveríamos tentar praticar todas as quatro tradições de uma maneira completa dentro de uma única base física”.265
Conforme assinala Kundeling Rinpoche, a proibição e o desejo de integrar as quatro tradições estão ligadas à agenda política secreta
do Dalai Lama (ver Capítulo 9):
Outra razão do Dalai Lama para a proibição, de que Dorje Shugden é um obstáculo para a unidade de todas as tradições tibetanas, é completamente errônea. Veja, não havia problema algum antes dessa proibição. Quando o Dalai Lama fala em trazer união, ele está se referindo a fazer uma única tradição a partir de todas as tradições existentes no Tibete (…) ele está realmente falando é de unificar todas as diferentes práticas para formar uma única tradição.
Então, se nos perguntarmos quem poderia ser o líder dessa nova tradição única, é claro seria o próprio Dalai Lama. Está claro na mente do Dalai Lama que, quando ele retornar ao Tibete, ele nunca será o líder temporal. Isso fica muito claro. Já que ele optou pela autonomia, ele não vai mais ser um líder temporal. Portanto, a única opção que sobra para ele é tornar-se o líder espiritual. Tornar-se unicamente o líder dos gelugpas significaria que seu poder seria reduzido e marginal. Portanto, para poder ser o líder espiritual comum de todos os tibetanos, ele está tentando criar uma tradição aqui no exílio. Ele acredita que, quando voltar ao Tibete, será capaz de exercer poder sobre todas as tradições ao criar essa única tradição da qual ele será o líder supremo. Então tudo isso é também uma luta pelo poder. É também um jogo de poder. Essa é, portanto, a agenda política oculta do Dalai Lama.266
Embora o Dalai Lama tenha uma clara motivação política ao impor a proibição à prática de Dorje Shugden, ele está atuando contra os princípios básicos do budismo Mahayana. Com essa proibição, ele rejeitou completamente a visão de seu guia espiritual, Kyabje Trijang Rinpoche, seu guia espiritual-raiz267, quebrando dessa forma o compromisso de confiar em um Guia Espiritual, a pedra angular da prática budista mahayana.