Fica claro do que foi exposto que não houve, de fato, um “Rei-Deus” consistente na linhagem dos Dalai Lamas. Os três primeiros eram puros professores religiosos, o Terceiro conquistou a admiração dos mongóis e pela primeira vez recebeu o título de Dalai Lama do líder mongol Altan Khan. O Quarto, o neto de Altan Khan, ficou no Tibete por somente 14 anos e morreu numa idade relativamente precoce, aos 28 anos. Esses quatro primeiros dalai lamas não estavam interessados em questões políticas de estado, mas, pelo contrário, concentravam-se em sua principal responsabilidade, que era de sustentar o legado espiritual da tradição de Je Tsongkhapa, dando continuidade a ela.
O Quinto Dalai Lama obteve completo controle do Tibete através de meios impiedosos, desrespeitando o conselho de seu próprio guia espiritual em sua ascenção ao poder. Ao rejeitar seus votos monásticos, o Sexto Dalai Lama também desrespeitou o conselho de seu guia espiritual, mostrando que não tinha ligação com questões espirituais ou políticas. O Sétimo Dalai Lama, mesmo tendo dado um exemplo de puro praticante espiritual, exerceu pouca liderança, com exceção de seus últimos anos de vida. John Powers escreve que, depois da morte do Sétimo Dalai Lama:
O Tibete começou um período de 130 anos, durante o qual nenhum dos Dalai Lamas teve controle efetivo. Durante essa época, o país foi governado por uma sucessão de regentes, todos eles eram monges gelugpas. O Oitavo Dalai Lama, Jambel Gyatso, não tinha nenhum interesse em assuntos mundanos e, embora tenha vivido até a idade de 47, a administração do país foi manejada pelos regentes.87
O mito dominante sobre o Tibete que é difundido no Ocidente consiste em caracterizá-lo como um reino pacífico na montanha que sempre foi conduzido pela encarnação humana de Avalokiteshvara, o Buda da Compaixão. Pode-se ver sob um minuncioso escrutínio que a instituição dos Dalai Lamas, que efetivamente começou com uma violenta tomada de poder pelo Quinto Dalai Lama, sempre demonstrou uma completa ausência de liderança até o século XX. De fato:
Os Dalai Lamas do Nono ao Décimo Segundo não desempenharam nenhum papel notável na vida do Tibete. Suas vidas são notadamente breves. Muitos deles morreram antes de chegarem à idade de assumir o poder ou escrever qualquer coisa.88
Existe muita especulação sobre esses Dalai Lamas “desaparecidos”. Suas mortes prematuras e a transparente “sede de poder”, evidente em Lhasa, levaram muitos historiadores “(…) a suspeitarem de que o falecimento desses Dalai Lamas tão jovens foi criminoso”89. É certo que por um longo período de tempo os Dalai Lamas não desempenharam nenhum papel de liderança na vida política ou sequer religiosa do Tibete. Mas isso mudaria com os próximos Dalai Lamas.