A sequência de eventos que sucedem a morte do Quinto Dalai Lama (em 1682) foi extremamente incomum. O Dalai Lama havia designado um jovem rapaz chamado Sangye Gyatso como seu regente. Este havia sido previamente assistente do Dalai Lama e recebeu uma sólida base em questões religiosas e políticas. Porém, ele pode ter tido uma proximidade maior com o Dalai Lama, como o historiador tibetano Shakabpa salienta: “alguns eruditos afirmaram que Sangye Gyatso era tido como o filho natural do Quinto Dalai Lama”.73
O jovem regente ocultou a morte do Quinto Dalai Lama por quinze anos, anunciando que ele havia entrado em um retiro de meditação por um período de tempo não especificado e não podia ser molestado.
Um monge do Monastério Nangyal Dratsang foi incumbido de ocupar o lugar do Dalai Lama, de residir no Palácio de Potala e de executar as ações diárias que o Dalai Lama normalmente realizaria. Shakabpa diz o seguinte com relação a essa estranha situação:
(…) o monge de Nangyal Dratsang cansou-se rapidamente dessa prisão forçada e tentou escapar de suas obrigações de disfarce. Ele teve de apanhar algumas vezes e, em outras ocasiões, foi subornado. De fato, não deve ter sido prazeroso para ele permanecer dentro das muralhas de Potala nessas condições durante quinze anos.74
Mesmo assim, o monge Nangyal Dratsang foi relativamente bem-afortunado:
Na sua frenética determinação de manter o segredo, Desi [regente] Sangyay foi acusado de ter matado tanto o médium do oráculo de Nechung quanto sua mãe por terem se inteirado do segredo durante uma das consultas frequentes de Desi ao oráculo em sua estressante condição de ter que administrar o governo tibetano sem a presença do Dalai Lama.75
A construção do Palácio de Potala, o símbolo supremo do poder do Dalai Lama e de sua associação com Avalokiteshvara, foi finalmente concluída em 1695. Logo depois, o regente anunciou que o Quinto Dalai Lama havia na verdade morrido em 1682 e que sua reencarnação já estava com treze anos de idade! Posteriormente o regente Sangye Gyatso foi executado pelo líder mongol Lhazang Khan.
Esses quinze anos de engano, entrentanto, não foram tão escandalosos quanto o comportamento e estilo de vida do Sexto Dalai Lama, Tsangyang Gyatso, que quase destruiu a própria instituição:
Devido à presença dessa reencarnação [o Sexto Dalai Lama] na cadeia de sucessão, chegou-se mesmo a um certo ceticismo com relação a autenticidade da Instituição (…).Tsangyang Gyatso (1683-1706) viveu por somente 24 anos, mas durante sua curta vida ele conseguiu causar tamanha sensação, pelo tipo de vida que levou, o que quase destruiu a fundação desse sistema único.77
Uma das principais reformas feitas por Je Tsongkhapa foi a estrita aderência às regras monásticas criadas por Buda, mas o Sexto Dalai Lama se rebelou contra essa tradição religiosa que ele supostamente deveria representar. Tsangyang Gyatso preferia levar uma vida frívola de esportes, bebedeira, mulheres e longas noites de farra. Grunfeld comenta:
Tsangyang Gyatso (…) ficou conhecido dentre os tibetanos como “O Alegre” e, não sem bons motivos, pois ele se dedicava mais à libertinagem do que a objetivos religiosos. (…) Ele é carinhosamente lembrado por sua poesia, que constitui quase a totalidade da literatura não religiosa do Tibete.78
Os apelos de seu guia espiritual, Panchen Lama Losang Yeshe, para que se concentrasse no estudo e na prática da religião não serviram de nada. O jovem Dalai Lama, desequilibrado pelos prazeres da vida comum, ao invés disso disse a seu guia espiritual que ele desejava renunciar a seus votos.79 Como havia também sido necessário no caso do Quinto Dalai Lama, os líderes religiosos de sua época imploraram a ele que seguisse o caminho religioso estabelecido por Buda:
O Dalai Lama foi (…) procurado pelos abades dos três grandes monastérios [Drepung, Sera e Ganden], pelo Desi [regente] Taktse e por Lhazang Khan, (…) o neto de Gushri Khan, todos eles suplicando-lhe que não renunciasse a seus votos Getsul [de monge noviço], mas suas súplicas de nada valeram.80
Tal comportamento de uma figura religiosa de alto escalão era inadmissível e estava longe do esperado pelos benfeitores mongóis. Quando todas as tentativas de convencê-lo falharam, Lhazang Khan seguiu em marcha até Lhasa e tomou o controle político. Ele levou o Dalai Lama diante de sua corte e castigou-o pelas suas numerosas falhas. Juntamente com o imperador manchu da China, ele decidiu destituir e desterrar esse Dalai Lama vergonhoso, e sua poderosa força militar forçou o Dalai Lama a aceitar. A caminho de seu local de exílio, o jovem Tsangyang Gyatso morreu “misteriosamente”, provavelmente assassinado.
Lhasang Khan, então, reconheceu publicamente outro monge, Ngawang Yeshe Gyatso, como o verdadeiro Sexto Dalai Lama e o entronizou no Palácio de Potala.
Entretanto, a maioria dos tibetanos não apoiou sua escolha. Quando as notícias de que a reencarnação do falecido Sexto Dalai Lama havia sido encontrada em uma criança chamada Kelsang Gyatso, os chineses manchus reconheceram a potencial vantagem política de controlar esse jovem rapaz e colocaram-no sob sua proteção no monastério de Kumbum. Durante toda essa turbulência, a maioria dos tibetanos ainda manteve sua fé em Tsangyang Gyatso, como o mais incomum detentor da tradição de Je Tsongkhapa.
Como consequência das ações do regente Sangye Gyatso e do Sexto Dalai Lama, o poder político que o Quinto Dalai Lama havia tão impiedosamente conquistado se perdeu, primeiro para os mongóis e depois para os chineses, através dos manchus. Pouco tempo depois Lhazang Khan se viu envolvido num conflito com outra tribo mongol, os dzungars, que então conquistaram Lhasa e mataram Lhazang Khan. Uma vez tendo o controle de Lhasa, eles depuseram e encarceraram o Dalai Lama escolhido por Lhazang Khan, Yeshe Gyatso, e executaram muitos lamas e líderes políticos que haviam apoiado Lhazang.
Os tibetanos fizeram uma petição aos dzungars para que o verdadeiro Dalai Lama fosse trazido a Lhasa, mas os chinesesmanchus não iriam entregar o jovem
aos mongóis dzungars. O regente daquela época, Taktse Shagdrung, e alguns funcionários tibetanos enviaram, então, uma carta aos chineses manchus, dizendo que eles reconheciam Kelsang Gyatso como Dalai Lama. O imperador chinês manchu aceitou essa isca política e confirmou que Kelsang Gyatso era, de fato, o Sétimo Dalai Lama.
Ele presenteou Kelsang Gyatso com um selo de ouro onde se lia “Selo do Sexto Dalai Lama”, evitando, assim, a dúvida quanto a se os outros dois anteriores Sextos Dalai Lamas tinham sido ou não verdadeiras encarnações.81
Por causa da crescente impopularidade do regime dzungar e da frustração com sua inabilidade de trazer seu Dalai Lama de volta, os tibetanos aliaram-se aos chineses manchus e, à força, expulsaram os dzungars. Assim, em 1720, os chineses manchus escoltaram Kelsang Gyatso até Lhasa, onde, com apenas doze anos de idade, foi entronizado como o Sétimo Dalai Lama; porém, sem o poder temporal. Os chineses manchus estabeleceram uma nova forma de governo no Tibete, com um conselho de ministros substituindo o todo poderoso regente de antigamente.82
Entretanto, em 1728, um dos recém-eleitos ministros, Pholhanas, subjulgou violentamente seus colegas ministros e assumiu o total controle sobre o Tibete. Três ministros e outros quatorze de seus colaboradores foram executados do lado de fora de Potala, onde seus corpos foram cortados em pequenos pedaços. O pai do Sétimo Dalai Lama havia apoiado os ministros executados, então, ele e o Dalai Lama foram enviados para o exílio por sete anos.41 Pholhanas governou o Tibete até 1747, enquanto o Dalai Lama permanecia nos bastidores:
Durante os dezenove ano em que ele governou o Tibete, houve paz e prosperidade ininterruptas por todo o país. Ele havia feito uma sólida aliança com os imperadores manchus e era capaz de exercer influência sobre o próprio Dalai Lama.83
Pholhanas foi sucedido por seu filho mais novo, Gyemey Namgyal, que tentou restabelecer os mongóis dzungars como aliados para poder expulsar os chineses manchus do Tibete. Quando tomaram conhecimento de seu plano, os chineses manchus de Lhasa o mataram. Em 1751, o Dalai Lama em pessoa recebeu o completo poder político e espiritual do Tibete, mas ele morreu logo após, em 1757.84
Shakabpa faz as seguintes observações sobre a vida do Sétimo
Dalai Lama:
Ele era um estudioso. Sua vida política havia sido marcada por dificuldades. Só pôde exercer o poder temporal no final de sua vida. Embora eclipsado pelas figuras políticas daquela violenta época, o Sétimo Dalai Lama foi considerado superior aos outros Dalai Lamas em questões religiosas, graças a suas qualidades compassivas e erudição.85